7 de fevereiro de 2009

Capítulo 3

O despertador tocou e bastante estabanada Sofia desligou-o. Puta merda... Odeio segunda-feira! Esfregou os olhos, espreguiçou-se lentamente como se o mundo não fosse acabar e deu um gole de água. Bem, agora estou pronta pra guerra. Ao chegar à frente do espelho, Sofia pensou que mais parecia que as trincheiras das grandes batalhas de Napoleão estavam em seu rosto, de tão amassado que ele se encontrava, do que estaria pronta para a luta. Deu risada. Durante a semana a rotina de Sofia não mudava: acordava cedo, tomava café com os pais e seguia para o trabalho, de lá fazia cursos, todos os que se pudesse imaginar: ioga, corte e costura, pedras preciosas, boxe, enfim, uma infinidade de aulas para não cair no tédio. Sofia, apesar de seus vinte e nove anos, ainda morava com os pais. Optou por morar com eles muito mais pelo comodismo que tinha do que pela liberdade que poderia ter se morasse sozinha. Mordeu o pão, estava quentinho. Definitivamente só saio desta casa sob tiro...

Pegou a bicicleta e foi trabalhar. Não era ecochata, dizia, mas se tenho a possibilidade de deixar minha bunda mais dura, então, o que haveria de mal nisso. Sofia morava e trabalhava na Vila Madalena, bairro Cult e cheio de novidades. Putz, quando chegar ao escritório, eu preciso ligar pro Kai, senão vai achar que tô esnobando ele. Ela tinha montado seu escritório há dois anos em parceria com Carlinhos numa rua sem saída que acabara transformando-se em uma pequena vila comercial. Carlinhos, um arquiteto, Sofia, uma designer de sapatos, para quem estava começando, não precisava de muito espaço, apenas de tranqüilidade para criarem seus projetos. Jesus do céu, eu preciso finalizar as criações da fábrica do ceará ainda hoje... Sofia abriu a porta e dirigiu-se ao quintal para deixar sua bicicleta. Era um sobrado charmoso com um jardim na frente em que o artista principal era um pé de goiaba. Na parte de baixo do escritório, a sala tinha virado uma bela recepção moderna com várias intervenções do passado. Em cima, os quartos viraram escritórios, cada um teria, então, sua privacidade. A cozinha virou copa e o quintal uma sala de reunião bem louca e extremamente aconchegante. A mesa de vidro enorme tinha um recorte redondo bem no meio, deixando, então, espaço para que o tronco da mangueira pudesse fazer parte daquela decoração. Além de Sofia e Carlinhos, trabalhava Lauricéia. Ela era uma espécie de secretária, recepcionista e copeira, mas preferia ser chamada de Laura.

Laura estava no fundo limpando a mesa de vidro quando Sofia chegou. E Carlinhos? Já está lá em cima brigando no telefone com o namorado, respondeu Laura. Sofia balançou a cabeça e deu risada. Subiu e ouviu Carlinhos brigando no telefone e batendo a mão na mesa. Puta que pariu, bicha adora bafafá, é por isso que toda mulher que se preze, precisa de um amigo bicha. No mínimo, ele vai te tirar da rotina. Sofia abriu a janela e suspirou. Meu Deus, vá ser gostoso lá em casa! A sala de Sofia tinha sido tirada num sorteio entre ela e Carlinhos. No começo ela não tinha gostado muito da idéia. Ela preferia o quarto do fundo que dava para o quintal, pois era mais tranqüilo e sem o barulho da rua. Ela precisava ter sossego para suas criações, mas, no dia em que viu o vizinho da frente estacionando e descendo do seu carro, encontrou a paz que queria, então, decidiu deixar como estava mesmo: sorte é sorte, fico, então, com a sala que dá pra rua. O vizinho acenou pra ela e Sofia mais do que depressa sorriu. Não, hoje eu preciso me concentrar, de verdade Sofia e sem brincadeiras. Mas, Sofia não teve coragem e acabou deixando a janela aberta mesmo. A janela do vizinho ficava bem em frente a sua, logo ele iria subir e abri-la. O celular tocou. Morrice, que grata surpresa, como tem passado? Morrice disse-lhe que passou o domingo pensando nas expressões bem brasileiras que tinha aprendido com Sofia e, mais que diretamente, como são todos os gringos, perguntou a Sofia se ele podia jantar hoje à noite com ela. É... Ele está querendo me comer, mas eu só posso dar pra ele no terceiro encontro. Sofia tinha algumas manias, mas a mania de só ter relações amorosas no terceiro encontro era uma regra seguida à risca quando se queria ter algo sério com um cara. Bem, podemos considerar que o parque foi nosso primeiro encontro, então, faltam mais dois. Morrice, hoje à noite eu já tenho um compromisso, mas que tal se você viesse almoçar comigo, daí aproveito e te mostro meu escritório. Morrice concordou. Pronto, deixamos o jantar para depois de amanhã...

O vizinho abriu a janela e mais uma vez sorriu pra Sofia. É, meu filho, se você não fosse casado, já tinha feito uma festa daquelas lá no seu apê. Essa era a segunda regra de Sofia: homem casado para ela era mulher. Sofia aprendeu com Mahya que só se deve fazer com o outro aquilo que gostaríamos que fizessem conosco. Como já tinha sido corneada na adolescência, sabia muito bem a dor que sentira, então, não queria causar aquele sofrimento para ninguém. Mas olhar, não tira pedaço, e, afinal ela também admirava mulheres bonitas. Sofia sorriu de volta para o vizinho. Sua fraqueza mesmo eram os homens bonitos ou charmosos.

Sofia passou a mão no telefone e ligou pra Kai. Estou com saudades de você, Kai! Então porque não ligou, podíamos ter ido ao cinema ontem, Sofia. Kai era mais charmoso do que bonito. Estou ligando porque a saudade só bateu agora, Kai. Kai ouviu o suspiro de Sofia do outro lado do telefone. Aposto que tem gente nova no pedaço, não é Sofia? Kai, era irritante, parecia que conhecia mais Sofia do que ela própria. Era um sentimento dúbio: ao mesmo tempo em que isso irritava Sofia, às vezes amava esse jeito dele, como se fosse uma forma de Kai demonstrar o carinho que sentia por ela. Vem almoçar comigo hoje, Kai que eu te conto qual é a novidade...

A manhã passou tão rápida que Sofia só sentiu que era quase meio dia quando Carlinhos bateu na porta dela e disse: hoje tenho almoço com um cliente, vou ter que te abandonar. Já está na hora do almoço?! E Sofia ouviu dois toques suaves da campainha, era Kai, com certeza. Desceu correndo, pulou em cima do amigo com as pernas entrelaçando a cintura dele e o abraçou. Ela o beijou na bochecha, no cabelo e no nariz. Nossa, Sofia, isso é que é saudade, hein?! Quero saber de tudo, qual é a boa nova, fechou contrato com aquela indústria cearense? Sofia tinha que postar ainda hoje toda a sua coleção de sapatos para fábrica no Ceará. Porra, nem me lembre disso, tenho que finalizar a coleção depois do almoço e mandar pros caras, vamos tomar um cafezinho da Laura?! Kai admirava Sofia em tudo. Parecia uma menininha com aquele cabelo curto, liso e repicado. Ela era tão magrinha e parecia-lhe tão frágil que ele sempre tinha o desejo de proteger-lhe. Sim, mas me conte e a novidade? Laura entrou na copa e disse: Morrice pra você, Sofia. Sofia agradeceu, olhou para Kai com ar sapeca e foi-se dirigindo para a recepção. Vem, Kai, gostaria de apresentar a novidade para você. Kai olhou meio sem graça para a novidade de Sofia: um gringo. E ainda por cima francês, deve ser fedido. Os três foram almoçar juntos.