20 de maio de 2009

Capítulo 10

O lápis ia de um lado ao outro da mesa. O papel à frente ainda branco aguardava a boa vontade do menino José de circundá-lo ou ao menos lhe fazer algumas linhas retas. Mas José parecia mais prestar atenção às músicas que soavam ao seu ouvido pelo Ipod e que vez em quando se ouvia algumas intenções de canto aqui ou acolá totalmente desafinadas. Sofia estava atrasada. Levantou um pouco a cabeça e pode ver o vizinho da frente entrando na sua casa da vila. Não achava ele bonito e nem entendia o que Sofia via naquele homem que tinha a bunda do tamanho de um bonde. Mulheres?! Vai entendê-las. Deu risada consigo mesmo. Lembrava sempre das besteiras que Sofia dizia-lhe sobre o moço. Bebeu um gole de água e olhou para a porta. Sofia não chegava. Trocou de música para ver se o tempo passava. Não passou. Levantou-se, então, tirou o Ipod do ouvido, desligou-o. Desceu as escadas calmamente até avistar o cabelo de Laura. Desceu mais um pouco, mas ela continuava parada na mesma posição. Desceu alguns degraus mais uma vez calmamente para não assustá-la. Laura percebeu o vulto e assustou-se. O moleque deu risada. “Ela já está vindo”, disse Laura já quase em pé. José passou a mão pela barriga. “A fome chegou, né, José?!”. O moleque afirmou com a cabeça e um tanto quanto sem graça desceu o restante dos degraus. “Vamos fuçar na cozinha e ver se a gente acha algo de interessante pra beliscar”, disse Laura meio incerta do que poderia encontrar ou não na cozinha. A porta da rua foi aberta por Sofia que, ao avistar José, abriu os braços entusiasmados. Vem cá, me dá um abraço que eu tô morrendo de saudades de você seu moleque! Numa das mãos, Sofia carrega uma sacola de uma loja infanto-juvenil, e, na outra um saco de padaria.


O moleque abriu os braços e correu para Sofia com um sorriso largo. Sofia o beijou muito. Você está atrasada, Sofia. Você me deixou esperando aqui um tempão. Sofia, aos beijos declarava que estava comprando algo para todos comerem. Ela tinha ido a uma reunião e não teve tempo de almoçar. Ah! E de quebra passei numa loja para comprar uma lembrancinha para você, então pára de reclamar, hein. Sofia, você tá me comprando? Sofia entregou a sacola para José e, por um instante pensou que o moleque estava convivendo demais com ela, mas em tempo quando viu o sorriso dele abrir espontaneamente ao se deparar com um conjunto de short e camiseta, achou que era besteira o que acabara de pensar. Pô, bem louco este desenho da camiseta... É, achei a sua cara, moleque, vai lá, experimenta e vê se ficou bom. Sofia entregou o saco da padaria para Laura, passou a mão nos cabelos e sorriu para o menino. Mas, Sofia, porque eu tô ganhando isso, se nem meu aniversário não é? Eita moleque renitente este, hein, quer saber de tudo! Escuta só, não é necessário se fazer aniversário para se ganhar um presente. Principalmente se a outra pessoa que fizer isso contigo for espontânea. José entrou no banheiro balançando a cabeça e após ter trancado a porta soltou a piada da tarde: “sua espontaneidade me comove, Sofia”. E então fingiu que estava emocionado e chorando. Laura deu risada e fez gestos para Sofia como quem quer dizer que o moleque não estava valendo mais nada. Sofia olhou para ela concordando. Não demorou muito e ele saiu do banheiro perguntando as duas se ele estava gato com a roupa nova. Tá, tá gato, agora anda logo e vamos subir, pois você tem muito que aprender.

Na verdade, eles mais conversaram sobre como iam os estudos de José, bem como falaram sobre seu pai e mãe do que qualquer outra coisa. Até que José confessou que estava gostando de uma garota da escola. Mas ela não é baranga não, é? Ah! Sofia... Olhe pra minha cara e diga se eu sou moleque de mulher tribufu? José falou em um tom quase sério. Sofia gargalhou. Mas você está ficando ousado, hein... José riu meio sem jeito. Quando Sofia tentou conversar e se aprofundar sobre o suposto namorico dele, este disse que era pra ela ensinar mais detalhes do desenho que estavam fazendo. Algumas horas se passaram quando Sofia entretida tentava esboçar algum sapato com o menino. José apontou para a janela. Sofia olhou e viu que o vizinho saíra da toca. Ficou acompanhando cada passo dele até que este chegasse ao carro. José simulou com a boca um som de um peido. Sofia olhou pra o moleque desacreditando no que ele acabará de fazer. Moleque riu. Eu não acredito que você peidou, José?! Ele não parava de rir. José, isso é muito feio pra um menino de sua idade. José cinicamente disse que nem estava fedendo. Mesmo assim, isso é muito feio. Pela primeira vez, José sentiu que Sofia estava séria e brava com ele. Sofia, eu não peidei, apenas fiz o som com a boca. Lamentou quase que sem graça. Sofia riu e ficou caçoando o moleque. Você está vendo como pimenta no cú dos outros é refresco...

Diário de Sofia

Diariozinho,
Nossa quanto tempo... Ultimamente estou com muita preguiça, é verdade. Hoje passei uma tarde maravilhosa com José. Ele está cada dia mais esperto. Às vezes me sinto até mais responsável com ele do que realmente posso ser, mas ele me encanta, é algo mágico, realmente, o que sinto por aquele moleque.
Mudando de pau pra cacete, Mahya anda preocupada com alguma coisa... Falei com ela hoje à noite e achei-a tensa, mas ela não quis se abrir comigo. Bem, vou indo, morrendo de sono e já com saudades do moleque...
Sofia.