26 de setembro de 2016

O conto do inverno


É sempre bom se deparar com escritas centenárias e bem redigidas que até se apoderam da contemporaneidade. A peça teatral O conto do inverno, de William Shakespeare, é exatamente este caso. Na Inglaterra seiscentista, contos de inverno eram equivalente ao conto de velhas comadres ou algo parecido com o conto da carochinha. Uma narrativa que prioriza o fascinante e o sobrenatural. Na narrativa do início do século XVII, segundo consta, logo antes de Cimbeline, Rei da Britânia, foi publicada pela primeira vez no célebre Fólio de 1623, primeira coletânea das obras dramáticas do poeta nascido em Stratford-upon-Avon, em 1564. Classificada entre os “romances tardios” (ou tragicomédias) junto a Péricles, Príncipe de Tiro, à Tempestade e à já citada Cimbeline, O Conto do Inverno divide a ação entre a Sicília e a Boêmia, não faltando encontros e reencontros fantásticos, magia e surpresa, em uma gama de situações que vão da tragédia à comédia pastoral. A peça encerra inspirada teatralização de uma obra em prosa, um velho conto, Pandosto, recontado e publicado no final do século XVI, por Robert Greene, contemporâneo e rival de Shakespeare, obra bastante popular à época e cujo subtítulo – O Triunfo do Tempo – já sugere um dos principais temas do Conto do Inverno, isto é, do Tempo como “pai da verdade”. Mas, conforme costuma ser o caso, ao se apropriar de Pandosto, Shakespeare transforma a fonte utilizada, introduzindo elementos sumamente teatrais, como por exemplo, a inusitada e memorável rubrica “Sai, perseguido por um urso”, no terceiro ato, ao mesmo tempo catastrófica e farsesca; e a célebre “cena da estátua”, no quinto ato, autêntico coup de thêátre, tão implausível quanto comovente. É rica a historiografia do texto teatral em performance no mundo anglófono. Os registros têm início com o relato de Simon Forman, astrólogo e “médico” que assistiu a uma montagem do Conto no Teatro Globe, em Londres, em 1611. Consta que a peça fosse apreciada na corte de Jaime I, tendo sido encenada durante as festividades do casamento da Princesa Elisabete, em 1612-13. É bom que se diga que a peça foi escrita no final da carreira de Shakespeare e vale muito à pena ser lida. É o tipo de cultura para poucos, mas extremamente engrandecedora sejam em diálogos ou estrutura da história em si.